17 novembro 2007

Last 30 days

Desde que assumi a minha condição de geek - daqueles de cave escura, óculos com lentes de vidro de garrafa, caneta no bolso da camisa e terror absoluto de contacto com o sexo oposto - e passei a registar religiosamente os jogos que vou fazendo no boardgamegeek, utilizando o mecanismo disponibilizado para o efeito por outros geeks da minha igualha, que sonho com o dia em que vou colocar aqui um post a falar dos jogos que joguei no último mês, ou na última semana. Ultimamente, fruto de alguns acasos do destino que puseram alguns gamers mais entusiastas no meu caminho e da paciência quase infinita da minha cara-metade que não se importa de aturar 4 ou 5 macacos lá em casa a fazer barulho, uma vez por semana pelo menos, tenho tido oportunidade de jogar mais do que o habitual. Estou assim em condições de aqui colocar o tão ambicionado post "Últimos 30 dias". E aqui vai ele!

6x

Houve 2 jogos que foram jogados seis vezes, nos últimos 30 dias: StreetSoccer e Phoenicia. O StreetSoccer é um jogo brilhante para 2 jogadores de Corné Von Moorsel, o génio do mal por trás do nome Cwali! Cada jogador controla uma equipa de futebol de rua e cada jogo corresponde a uma partida. As regras são muito simples, mas o jogo é interessantíssimo! O posicionamento é extremamente importante e há momentos mágicos em que parece mesmo que se está a jogar futebol a sério, com uma equipa a perder e a encostar a outra à área, a tentar o empate, enquanto o relógio se esgota! Muito bom e um dos melhores jogos para 2 jogadores que para aí anda.

O Phoenicia foi outra surpresa e é um dos melhores jogos de 2007, na minha opinião. É um remake do lendário Outpost, em que o autor procurou retirar tudo o que não é essencial e, nas palavras dele, "todas as falsas decisões"! O resultado é um jogo económico complexo, com recursos extremamente limitados! No Phoenicia todos os tostões são importantes, todas as decisões têm muita implicações e, em consequência, todos os erros são punidos. Para além do mais, joga-se em menos de 1h! Altamente recomendado!

3x

Comprei o StreetSoccer por impulso. Gosto de futebol, gosto de jogos, gosto do Benfica e, por isso, não fui tão exaustivo na análise pré-aquisição, como de costume. A coisa correu tão bem e fiquei tão impressionado, que resolvi avançar para outro jogo do mesmo autor. Underrated? Brainburner? Um dos jogos mais injustiçados do ranking do BGG? De logística? Contem comigo! E foi assim que Logistico chegou às minhas mãos! E a única coisa que posso dizer é que é tudo verdade! Mais uma vez, regras muito simples (1 página e meia, já com exemplos) e um jogo com uma complexidade notável! Se um neurónio puder queimar por excesso de carga, como se fosse um fusível, este é um dos jogos que provocaria um apagão no cérebro! Na primeira vez que se joga, é complicado fazer mais do que tocar de ouvido. Mas, à medida que se vai ganhando experiência, as estratégias vão ficando mais evidentes, o jogo ganha outra dimensão. Este holandês é tramado!

O Mr. Jack é outro excelente jogo para 2 jogadores. Não é um jogo de dedução, como se escreveu para aí. É um jogo de posicionamento, de bluff e de planeamento a 2/3 jogadas. É muito mais fácil jogar com o polícia do que com o Jack, não por o jogo ser desequilibrado, mas porque um erro enquanto Jack pode deitar tudo a perder, enquanto com o polícia há mais margem para errar. Os jogos são muito rápidos (entre 10 e 30 minutos) e recomendo que se joguem sempre 2 jogos de seguida, para que os jogadores alternem como Jack. Também é um jogo que tem uma curva de aprendizagem interessante. No início parece tudo óbvio, mas ao fim de alguns jogos já se percebe que há muita coisa menos óbvia.

2x

Comprei o Alhambra porque a minha mais que tudo gosta mesmo do jogo. É dos poucos que ela pede para jogar. E sabem como é, se ela gosta mesmo do jogo eu gosto ainda mais! Até agora, ela tinha ganho TODOS os jogos de Alhambra que tinha jogado, o que me tinha dado algumas luzes sobre as verdadeiras razões que a levam a apreciar o Alhambra e, ao mesmo tempo, me tinha deixado com a ligeira desconfiança de que, se calhar, havia espaço para melhorias na minha estratégia infalível. Nesta última vez, jogámos em casa de uns amigos e no primeiro jogo ela voltou a ganhar. No segundo concentrei-me, calculei, planeei, adivinhei, chorei, rezei e... ganhei! A minha primeira vitória de sempre e logo frente à campeã mundial! O Alhambra é, de facto, um jogo fora de série! :)

O Elasund teve azar. Jogámos há muito tempo e um dos participantes, que por sinal é uma das presenças mais regulares do nosso grupo e não é lá muito brilhante (sim, Francisco, estou a falar de ti), ficou confundido com o jogo e, como sempre faz quando um jogo o confunde, declarou solenemente que não gostava deste magnífico exemplar da fábrica do Dr. Teuber. Infelizmente o referido senhor agora tem andado com menos disponibilidade para a amizade e tem comparecido menos nos nossos encontros. Foi prontamente substituído por outro gamer, mais sagaz e arguto e, principalmente, menos confundível, que depois de jogar Elasund declarou solenemente que este era um dos seus jogos favoritos. Eu, pessoalmente, gosto muito!

O Glory to Rome foi, para mim, uma das grandes surpresas dos últimos tempos. É um jogo complexo e interessantíssimo, onde é fácil aprender as regras, mas muito difícil jogar bem. É da mesma equipa que jogos como o Puerto Rico, mas a sua maior abertura torna-o mais difícil de dominar. É preciso paciência e dedicação, para aprender a jogar bem Glory to Rome. Ainda bem que sou um gajo paciente e dedicado! A caixa é atroz, numa espécie de acrílico transparente, e vai-se partir mais cedo ou mais tarde. Recomendo vivamente que seja substituída por outra comprada na loja dos chineses, até porque é muito difícil conseguir que o jogo caiba todo dentro da caixa original.

1x

Joguei, finalmente, o Age of Empires e achei engraçado. Não é o grande jogo de 2007, nem é um clássico daqueles mesmo, mesmo clássicos. Mas é interessante e engraçado. Há ideias engraçadas e integra bem vários géneros. Parece-me que há ali alguma talha dourada a mais... se calhar o Tom Lehmann, o gajo que eliminou tudo o que é superfluo e reduziu o Phoenicia àquela deliciosa aridez em que tudo o que lá está é essencial, teria um desafio bastante interessante a limpar este jogo...

O Indonesia jogámos ontem e foi, mais uma vez, uma bomba! É um jogo complexissímo, embora em termos de regras seja mais simples do que o Caylus, ou o Puerto Rico, por exemplo. É daqueles jogos em que se fazem planos perfeitos, que depois são demolidos, sem apelo nem agravo, pelo jogador que joga a seguir. Há imensa interacção entre os jogadores, há leilões tensos, há uma malha complexa de consequências pendurada em cada decisão... é, provavelmente, o melhor jogo económico que já joguei.

O fim dos triunviratos é um valor seguro. Relativamente rápido, com vários caminhos para a vitória e altamente confrontacional é uma escolha de eleição para quando há 3 jogadores que têm a mania que são maus. Tenho de jogar mais vezes!

O Twilight Struggle é um dos meus jogos favoritos e está tudo dito. Há uma review deste jogo neste blog, da autoria de um dos gajos mais bonitos e inteligentes de que há memória. Recomendo vivamente a sua leitura.

O Perikles deixou-me um sabor amargo na boca. Gosto bastante da parte política, gosto da forma como se integra com a parte militar, mas não gosto da forma como são resolvidas as batalhas. Acho que resolver todas as batalhas em série e estar 20 minutos a lançar dados foi das ideias mais estúpidas que qualquer designer já teve. Infelizmente faltou alguém, leia-se, o developer do jogo, um amigo, ou a própria mãe do Wallace, que, logo a seguir a ele explicar a ideia para a resolução das batalhas lhe desse um estalo no meio da tromba e berrasse "20 minutos a lançar dados? Estás parvou ou quê? Isso é das ideias mais estúpidas que qualquer designer já teve!". Ainda lhe vou dar mais uma hipótese, porque a parte política é, de facto, muito interessante, mas este é daqueles jogos que podia ter sido um clássico... e não é!

O Reef Encounter era um desejo antigo. Andei a namorá-lo á distância durante muito tempo, como um adolescente apaixonado, mas demasiado envergonhado para dar o passo decisivo. É que o jogo era caro como o caraças! Felizmente Deus Nosso Senhor criou os saldos ainda antes de ter criado o homem e, numa dessas sagradas ocasiões, lá me declarei. E não me arrependi: este sim, é um clássico! Interessante, complexo, único, temático, mas de uma forma estranha... é um jogo para degustar! Não me vou alongar mais, porque estou a pensar colocar aqui uma review mais detalhada em breve. Mas recomendo vivamente! Nunca os recifes de coral foram tão interessantes!

08 novembro 2007

Crítica: Princes of Florence

Passados os dias em Roma, cidade eterna e de ruínas extravagantes, era a vez de apanhar o comboio e rumar a Florença. Essen, felizmente, já me tinha saído da cabeça e, por isso, acabei por concordar que não foi de todo má ideia passar a lua-de-mel em Itália.
A esposa, radiante com a vida, transbordava o devido contentamento. Postos de lado os problemas do quotidiano, poderíamos finalmente gastar a toda a nossa atenção um no outro e assim compreendermos, em conjunto, até que ponto o amor pode ser mágico.
Ela, imbuída duma bondade extrema prometeu:
- Para o ano vamos a Essen, ou que raio é aquilo!
Contrariamente ao esperado e às vozes opinativas, a primeira impressão de Florença não foi das melhores. Carros por todo o lado, barulho, confusão e japoneses em fila indiana a comprar tudo o que lhes aparecia à frente.
Felizmente, aos poucos, a primeira impressão foi ficando esquecida, principalmente quando os principais palácios surgiram no horizonte deixando-nos espantados com a beleza dos mesmos:
-Isto é tão lindo, se calhar em vez de Essen ou que raio é aquilo, voltamos é a Itália!
Para ser sincero, o que eu gostei mesmo foi das florentinas a andar de bicicleta. Pedalavam que nem doidas por aquelas estradas movimentadas e perigosas. Sempre impecavelmente vestidas com as melhores marcas do mercado, guiavam as suas pasteleiras com uma destreza tal, que era normal assistir a razias monumentais a carros e autocarros, escapando elas, felizmente, airosas do desastre por apenas um centímetro. Bem sei que sou um homem casado, mas se há coisa sexy neste mundo, é uma florentina a andar de bicicleta. Existe qualquer coisa de imortal nelas que me deixa louco.
Louco também fiquei com as esculturas e as obras de arte que enchiam os museus. Enquanto passeava pelas ruas interroguei-me sobre o que sentiria um Medici enquanto percorria as ruelas de Florença. Quais seriam os seus problemas, os seus anseios, os seus objectivos e onde gastava o dinheiro. Como se comportava em público, quais eram as tradições que respeitava, etc.
Foi então que me veio à memória o jogo Princes of Florence e todas as minhas interrogações foram satisfeitas, ou não fosse o jogo em questão um dos melhores de sempre.


Wolfgang Kramer é um designer bastante prolifero e que conquistou merecidamente um nome no panteão dos grandes nomes dos jogos de tabuleiro. Ter dois títulos (Princes of Florence e El Grande) no Top 10 do insuspeito Boardgamegeek é um feito de grande monta, o que, aliás, muito tem orgulhado a sua mulher, a simpática Úrsula, que não se cansa de comentar os feitos do marido, especialmente quando está na cabeleireira a armar o cabelo. É justo também juntar o nome Richard Ulrich ao feito, porque justiça seja apregoada, o trabalho de desenvolvimento nestes dois títulos foi feito em conjunto.
A história de Princes of Florence é simples de ser contada. Cada jogador é um príncipe de Florença cuja obsessão é a arte e a ciência e, portanto, de forma a conseguir satisfazer a obsessão, o príncipe vaie-se esforçar por contratar para o seu palácio os artistas e cientistas mais talentosos de Itália.
Mas como toda a gente sabe, os grandes génios são flores muito sensíveis e normalmente, para produzirem um trabalho em condições, precisam que certas e determinadas circunstâncias estejam reunidas de forma a se poderem inspirar convenientemente.
Por exemplo, um pintor só conseguirá pintar a sua obra-prima se tiver no palácio bobos (deixem-se de piadas porcas), um lago com cisnes e peixes e lhe for concedida alguma liberdade religiosa. Se o palácio do patrono tiver estas condições, a obra saída da mente deste pintor será compensada com uma pontuação alta.
Se for um médico, então a pontuação será maior se houver um Hospital e um jardim.
A ideia é que cada vez que um jogador mostrar a obra dum protegido seu ao mundo, essa obra obtenha a maior pontuação possível. Para que isso aconteça é necessário, ao jogador, comprar alguns itens no mercado. Os itens permitem construir edifícios, contratar os melhores arquitectos e bobos (lá estamos nós outra vez), edificar florestas, lagos e parques, além de permitirem liberdades (como liberdade religiosa por ex.) e contratar outros artistas ou cientistas.


Como se pode perceber, num jogo de Princes Of Florence há muito para ser feito.
Metade dos itens necessários ao trabalho dos artistas são comprados num sistema de leilão, a outra metade é comprada directamente sem necessário andar a subir paradas.
O sistema de leilão aqui apresentado não é um artifício simplista. Isto porque, por turno, só vai poder ser leiloado um item da mesma família. Isso é particularmente tenso porque, se houver 2 jogadores com vontade de contratarem um arquitecto, alguém vai ficar a chuchar no dedo e terá de esperar pelo próximo turno para poder comprar um.
O leilão, em Princes Of Florence, é pois a alma do jogo porque foi genialmente desenhado de forma a poder ser manipulado pelo jogador activo. Eu passo a explicar. O jogador activo coloca à venda um item, mas não é obrigado a oferecer nada por ele. O que acontece é que o jogador activo, ciente desta vantagem, coloca à venda itens que não lhe interessam só para ver o circo pegar fogo e assim eliminar os outros jogadores (os jogadores que compram itens em leilão vão saindo do jogo e não podem leiloar mais durante o turno). Quantos menos jogadores estiverem a licitar, maior a possibilidade de poder comprar o item que lhe interessa ao menor preço possível, uma vez que a concorrência foi eliminada nos turnos anteriores.
O que se assiste é toda uma manipulação do leilão consoante os interesses do jogador activo. Isto é impagável e constitui por si só toda a magia deste jogo. O mais interessante nisto tudo é que num leilão de Princes of Florence tudo pode acontecer, e portanto dá um gozo do catano fazer parte disto.
Além do leilão, o jogador tem mais duas acções por turno que podem ser gastas na compra de itens que não exigem leilão ou para apresentar trabalhos de artistas. Estes trabalhos vão receber pontos consoante os itens que o jogador comprou ao longo do jogo. Se um médico precisar dum hospital e dum jardim para realizar a sua obra e se o jogador conseguir ter comprado o jardim e o Hospital, ganhará mais pontos que, por exemplo, só possuir o Hospital.


Os pontos ganhos nas obras serão convertidos imediatamente em dinheiro ou pontos de vitória. Esta é uma decisão tramada porque, paralelamente, é necessário não só gerir a quantidade de dinheiro que se quer ter em mãos para ganhar os concorridos leilões mas também porque não convém acabar a partida com muitas moedas no pecúlio pessoal. Quanto maiores forem as sobras de florins no fim, menos pontos o jogador vai ter no resultado final. Bom, bom, é acabar o jogo com zero florins no bolso. Seja como for, fica já avisado o leitor que a administração do dinheiro não é fácil e a piada está na premissa de quanto menos se gastar mais pontos se ganha. Daí a importância de haver algum oportunismo na forma como o jogador activo vai manipulando o leilão. A ideia é que, quanto mais dinheiro os adversários gastarem nas suas compras, menos pontos vão ter no final.

Além do leilão, o jogo tem uma componente mais solitária, onde o jogador tenta encaixar os edifícios que vai comprando no seu palácio. Assim, vai ser necessário arrumar os edifícios (que possuem formas esquisitas) bem ao estilo de Tetris. A tarefa não é muito difícil, mas também não é fácil. É que os edifícios não se podem tocar e isso queima muito espaço disponível inviabilizando compras futuras. No entanto, sempre que um jogador consiga ganhar 2 arquitectos, poderá juntar os edifícios e assim ter um palácio mais bem composto. O pior é que os arquitectos ganham-se nos leilões e já se vê a dificuldade que há em os obter. Mas se a vontade do jogador passar por ter dois arquitectos, terá a sua possibilidade de manipular o leilão para que isso seja possível.
O jogo basicamente é isso. Uma componente de leilão onde existe uma luta muito apertada pelos itens postos à venda com muita interacção e muita disputa e depois uma componente de administração de acções, mais solitária e menos interessante também. Evidentemente que as acções nesta segunda fase são poucas e portanto é natural nos primeiros jogos haver muitos a serem cometidos. A piada disto tudo é que o jogador não consegue saber que itens é que ganha em leilão, e isso vai fazer toda a diferença quando for necessário gastar as acções. Acaba tudo por depender de como correr o leilão. Às vezes corre bem, outras não corre nada de especial.


Numa última análise, Princes of Florence é um clássico e vai ser jogado ao longo dos anos sempre que houver oportunidade. É uma presença obrigatória nas estantes dos jogadores e tende a agradar a todos, desde os mais experientes aos menos.
A forma como o leilão se processa é muito inteligente a a experiência de jogo é única. Nenhum jogo no mercado tem um leilão tão motivante (se excluirmos o RA).
Atenção contudo. Existem 2 versões no mercado e ambas têm componentes diferentes. Pelo que se diz por aí a edição da Rio Grande é melhor e mais bonita e pelo que tenho visto é realmente verdade.
Mas uma ideia fica. Apesar das dificuldades, era mais fácil, na altura, um príncipe aturar os caprichos dos humanistas que um produtor aturar, hoje em dia, cineastas portugueses depois de realizarem um filme sobre os meandros do futebol.

Pontos Positivos:
O Leilão e o bluff que ele desperta
A administração do dinheiro que terá de ser sempre ao florim
É um jogo que agrada a todos
É um clássico

Pontos Negativos:
A componente solitária, com a experiência, pode-se tornar previsível