24 setembro 2007

Twilight Struggle

Introdução


Sentam-se e abram uma mini, que esta review vai ser longuinha e o assunto é importante!

Vamos a isto!

Quem, de nós, não tem saudades da guerra fria?

Quem não sente falta daquele saborzinho extra que a comida tem, quando sabemos que a qualquer momento o mundo pode acabar num holocausto nuclear? E do Sting, a chorar pelas criancinhas russas? E de clássicos, como o Rocky IV, em que um atleta de um desporto qualquer, tão excepcional como rebelde, enfrenta o seu equivalente soviético, que só é excepcional porque faz batota e farta-se de enfiar esteróides, e acaba por o derrotar, contra tudo o que seria de esperar, num final épico, ao som de grandes temas de bandas de excepção (como os Survivor) e com uma simpática lição político-moral de bónus, no fim?

E uma boa e velha crise de mísseis à moda da guerra fria, em que se sucedem as acusações numa escalada de tensão e as coisas se resolvem no microsegundo antes de um dos envolvidos carregar no botão vermelho que diz "Holocausto nuclear" em letras grandes? Já não as fazem como antigamente!

E quem não sente falta da corrida ao espaço, com novos e gloriosos feitos aeroespaciais a serem filmad... aham... conseguidos todos os dias, pelas forças da liberdade e da democracia?

E as belas e mortíferas espias de leste, sempre dispostas a pôr o seu escultural corpo ao serviço da revolução, sem hipocrisias morais judaico-cristãs? Já não há gajas com tanto empenho ideológico e tanta vontade de mudar o mundo com o corpo, nos dias de hoje! Agora é só megeras sem princípios morais!

E aqueles dias de praia perfeitos, em que o sol parece mais quente e a água mais tépida, porque sabíamos que podiam ser os últimos, antes do inverno nuclear? E os bunkers, cheios de mantimentos enlatados... enfim, estou a perder-me com a saudade.

Mas, para quem, como eu, teve a sorte de crescer, pelo menos em parte ,durante este período abençoado e agora sente, naturalmente, falta de tudo isto há, finalmente, uma solução.

O seu nome?

Twilight Struggle!


O jogo

Twilight Struggle é um jogo para 2 jogadores da autoria de Jason Mathews e Ananda Gupta, ambos estreantes nestas andanças, e que permite aos jogadores recriarem a guerra fria desde o seu início, logo a seguir à segunda guerra mundial, até ao seu fim abrupto e trágico, com a queda do muro de Berlim. Um dos jogadores comanda as forças decadentes do capitalismo imperialista, enquanto o outro governará o pérfido império vermelho com pulso de ferro.

No seu coração, o jogo não é mais do que um area majority. Como é vulgar nos jogos deste género, a ideia é tentar espalhar influência de forma a ganhar maiorias em determinadas regiões, para depois receber os pontos relativos a essas regiões quando ocorrer o scoring. As regiões em causa, são os vários campos de batalha da guerra fria (Europa, Ásia, Àfrica, América central e América do Sul) e é possível colocar influência nos vários países que compõem essas regiões.

Uma modificação interessante que é introduzida, é o facto das alturas de scoring não serem fixas. Existem scoring cards para cada região, misturadas com as cartas normais, que quando são jogadas obrigam a que se pontue a região em causa. Ou seja, é possível ir atrasando o scoring de uma região deliberadamente, ao mesmo tempo que se manobra de forma a ganhar maiorias na região em causa, para que o resultado seja mais favorável.

Este é também um card driven game (CDG), na mesma linha de outros ilustres do mundo dos jogos de guerra, como por exemplo, We the people (o primeiro), For the people (a sequela), Rome: Hannibal vs Carthague (um dos mais amados), ou Paths of Glory (o épico da primeira grande guerra).

Para quem não conhece nenhum destes jogos, a ideia central do mecanismo é simples: os jogadores têm um número pré-determinado de cartas na mão que vão jogando alternadamente. Cada carta tem 2 funções: um número, que representa um valor operacional ; um evento, normalmente histórico e, muitas vezes, que beneficia uma das facções, e que pode afectar de forma muito variada a situação de jogo. Quando é jogada, o jogador tem de optar entre usar o evento, ou usar o valor operacional. Esta escolha é, normalmente, muito complicada de fazer. O Twilight Struggle adiciona uma novidade muito interessante a este conceito e que é a obrigatoriedade de aplicar o evento, mesmo quando se usa o valor operacional, se o evento for benéfico para o adversário. Complicado? É menos do que parece. Um exemplo:

Imaginemos que tenho na mão uma carta que é a "Aliança USA/Japão", que tem um valor operacional de 4. O efeito do evento é permitir ao jogador americano colocar influência suficiente para controlar o Japão e de, a partir desse momento, ficarem proibidos os golpes de estado e as tentativas de realinhamento contra o Japão (já explico o que é tudo isto mais à frente). Se eu for o jogador Americano, posso optar por utilizar o evento que me beneficia e controlar o Japão, com os seus carros híbridos e as suas consolas de jogos, ou em alternativa utilizar o valor operacional de 4 para levar a cabo operações pelo mundo fora, como é normal nos CDGs. Mas se eu estiver a jogar como Soviético, posso utilizar o valor operacional para levar a cabo operações, mas sou obrigado a executar o evento que me é prejudicial, permitindo ao meu adversário controlar o Japão, antes ou depois da minha jogada. E isto porque a carta em questão é "americana" e eu, nesta situação, sou Soviético. Como se começa cada turn com 8 cartas na mão (pelo menos nas primeiras rondas), há 6 rondas por turn e 1 das cartas é jogada numa fase especial (o headline), isto significa que quase todas as cartas terão de ser jogadas, mesmo aquelas que contêm eventos altamente perniciosos. As implicações disto ao nível da gestão da mão de cartas são maiores do que o arsenal americano de mísseis balísticos intercontinentais! Como nem todos os eventos são igualmente prejudiciais em todos os momentos do jogo, uma boa parte da ciência do Twilight Struggle passa por saber dar o flanco à tragédia no momento em que ela é menos trágica.

As cartas

As cartas são divididas em 3 baralhos: early, mid e late war. Inicialmente usa-se o early war, mas em turns pré-determinadas são adicionados os baralhos de mid e late war e o conjunto é rebaralhado. O jogo está dividido em 10 turns, em que cada uma tem um número variável de rondas (entre 6 e 8, consoante a fase do jogo). Em cada ronda, os jogadores vão jogar uma carta e decidir de aplicam o evento, ou se usam o valor operacional, caso a carta seja "deles" ou neutra. Como já expliquei, se a carta for do adversário, é obrigatório aplicar o evento e o jogador usa o valor operacional. As cartas só são descartadas, quando são de utilização única e o evento é aplicado, caso contrário vão para uma pilha de discard e reutilizadas quando o baralho se esgotar.


Valor operacional

Quando se usa o valor operacional de uma carta, pode fazer-se uma de três coisas:
- Colocar influência num país.
- Fazer um golpe de estado.
- Fazer uma tentativa de realinhamento.

Colocar influência num país é relativamente trivial: pode-se colocar tanta influência quanto o valor operacional e pode-se distribuir livremente por vários países. Cada país tem um valor de estabilidade associado e diz-se que é controlado por uma das potências, quando a diferença entre a influência de ambas as potências nesse país é igual ou superior ao valor de estabilildade. Exemplo: a Itália tem um valor de estabilidade 2 pelo que, se a União Soviética tiver influência de 1, os Estados Unidos necessitarão de ter pelo menos 3, para controlarem o país das pizzas e do AC Milão. Colocar influência num país controlado pelo adversário custa o dobro, ou seja, para colocar 1 de influência na Itália, agora controlada pelo imperialismo americano, o camarada soviético terá de gastar uma carta com um valor operacional de 2, pelo menos. Outra limitação interessante é a de que se só se pode colcoar influência num país adjacente a outro que já contenha influência, ou então adjacente à própria superpotência. É a aplicação no ambiente do jogo da célebre teoria do dominó, que esteve tão em voga em determinada altura da guerra fria, com um efeito muito importante no jogo: o posicionamento estratégico no mapa passa a ser crucial, já que é possível manobrar para impedir o adversário de chegar a determinadas zonas, e há países que passam a ter uma importância estratégica determinante.

Outra utilização para o valor operacional, são os sempre bem recebidos e universalmente aclamados golpes de estado. Servem para retirar influência do adversário de um país e, com um bocado de sorte, até adicionar da nossa. O procedimento é simples: lança-se um dado e soma-se o valor de operações da carta que está a ser usada para fazer o golpe de estado e a esse valor sobtrai-se o dobro do valor de estabilidade do país. Se o resultado for positivo, remove-se esse valor em influência do adversário e acrescenta-se a própria, se o adversário não tiver suficiente para remover. O resultado prático disto é que países com valor de estabilidade muito baixo - como por exemplo os países africanos - têm valores de estabilidade muito baixos e é muito fácil sofrerem golpes de estado. Já nos países com estabilidade mais alta, é quase impossível levar a cabo um golpe de estado bem sucedido. Faz lembrar alguma realidade que nós conheçamos?

A última forma de usar o valor operacional, são as tentativas de realinhamento. Cada uma custa 1 ponto do valor operacional da carta, ou seja, é possível fazer vários com a mesma carta e em países diferentes. O procedimento também é relativamente simples: ambas as partes lançam 1 dado e somam 1 por cada país adjacente ao país-alvo, mais 1 se lá tiverem mais influência que o adversário. No final subtraem-se os 2 valores e remove-se esse numero em influência do perdedor (mas não se acrescenta influência do adversário). Esta é uma ferramenta mais difícil de usar que o golpe de estado, mas nas mãos certas, pode ser mortífera.



Eventos

Estes são o coração do jogo. Vêm em três variedades: pró-Soviéticos, pró-Americanos e neutros. Os seus efeitos são poderosos e variados e são estes eventos que fornecem muita da envolvência temática que o jogo tem. E acreditem em mim quando digo que o jogo esguicha tema torrencialmente por todas as fendas da caixa!

Há eventos com efeitos muito originais e engraçados (jogos olímpicos, aldrich ames, quagmire, ...), há outros que se limitam a adicionar ou a remover influência de determinados países. Alguns destes eventos só são aplicados uma vez e depois são removidos do baralho, outros podem ser aplicados várias vezes, enquanto outros são aplicados uma vez e o seu efeito torna-se permanente até ao fim do jogo, ou até serem cancelados por outros eventos. Todos eles são históricos e os seus efeitos no jogo procuram, de alguma forma, imitar a realidade. Num pormenor louvável, o livro de regras inclui uma pequena explicação histórica de todos eles.

Costumo ficar com os olhos marejados de lágrimas sempre que tenho o prazer de jogar Twilight Struggle com a emoção de rever estes eventos e ver a forma original e inteligente como forma traduzidos para o jogo.

Cartas de scoring

Misturado no deck das cartas, há algumas especiais que, quando jogadas, permitem que se faça o score de uma região. Quando isto acontece, vai-se ver quantos países battleground (países que, pela seu papel na guerra fria, têm este estatuto superior) o jogador controla e quantos no total. Há 4 resultados possíveis desta avaliação: um dos jogadores controla todos os países battleground e mais países no total, situação em que tem "controlo" da região e recebe a pontuação máxima ; o jogador controla mais países e mais países battleground, situação em que tem "dominação" recebe a pontuação intermédia ; o jogador controla pelo menos um país, caso em que tem "presença" e recebe a pontuação mínima ; o jogador não controla nenhum país (embora possa ter influência num ou mais países da região), caso em que não recebe nenhum ponto. Há uma carta destas por região e uma extra, que permite pontuar o sudoeste asiático exclusivamente. Quem tiver controlo da Europa, ganha automaticamente, se a carta de scoring da Europa for jogada.

A beleza deste sistema é, mais uma vez, a forma como isto contribui para dificultar ainda mais as decisões que têm de ser tomadas pelos jogadores na gestão da sua mão de cartas. E esse objectivo é conseguido com brilhantismo!

"Jogo já o score da Europa, onde só tenho presença, ou tento jogar umas cartas entretanto, para colocar influência lá e tentar conseguir dominação, mas arriscando a que a minha situação piore ainda mais?"

ou,

"este cão da lama está a atestar a Ásia há 3 jogadas... deve estar a pensar que eu não percebi que ele tem a carta e a vai jogar agora! Felizmente não sou parvo e fui-me defendendo! Vá, joga lá o score da Ási... De Gaulle leads France? Que é isso? Fiquei sem a minha influência em França? Oj, porra, agora o gajo tem domination na Europa... o gajo tem mas é a carta de scoring da Europa! Que estúpido que eu fui.... aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaargh!"

Space Race

Não há guerra fria que se preze, sem corrida ao espaço e esta rapaziada sabe isso muito bem! Por isso o jogo também inclui uma... e uma como deve ser! Como funciona? Muito simples: uma vez por turn, o jogador pode "enterrar" uma das suas cartas na space race. Com isto consegue 2 coisas:

- Por um lado, livra-se temporariamente (porque a carta vai para a pilha de discard e volta ao jogo quando o baralho se esgotar) de uma carta com um evento que lhe seja prejudicial, porque nas cartas enterradas na space race não se executa o evento. É uma das únicas formas de evitar levar com um evento lixado no meio da tromba.
- Por outro, se tiver sorte no lançamento de um dado, consegue avançar o nível na escala de space race e com isto consegue um efeito especial, que pode ir de 1 ou 2 pontos, no primeiro nível, até à possibilidade de jogar 8 cartas por turn, num dos últimos níveis.


Conclusão

Há ainda mais alguns pormenores que ficam por explicar, mas creio que a ideia geral do jogo já fica clara.

E como é que tudo isto se conjuga, em termos de jogo, perguntam vocês?

6 palavras apenas: pu ta da lou cu ra!

Este jogo é fenomenal! É uma disputa tensa a 2, com momentos de grande alegria, outros de grande tristeza, com ilusões e desilusões e uma sensação de felicidade calma e relaxada, no final, como se tivéssemos acabado de comer uma refeição deliciosa e agora estivéssimos a gozar a lanzeira. É um pouco como o casamento, com a excepção da felicidade final! As decisões são brutais, o sentimento épico de estar a disputar o controlo do mundo é real, os eventos dão vontade de chorar de tão bem feitos e tudo transpira a tema de tal forma, que sempre que jogo fico com a mesa, as cadeiras e o chão, todos sujos de tema. Estrategicamente é um jogo rico e complexo, onde há muito que aprender. O conhecimento das cartas que existem e o que fazem é uma vantagem enorme para um jogador experiente... mas um duelo entre dois gajos com 4 ou 5 jogos disto no bucho, é uma experiência estratosférica!

Eu, que sou um gajo bastante social e que uma das razões porque gosto de jogar jogos de tabuleiro até é o cumbíbio com os amigos, já dei por mim a pensar, com um sorriso malvado nos lábios "se eu não convidasse aquele gajo, que até atira um bocado para o maricas, para jogar hoje seríamos só 2 e podíamos jogar twilight struggle". Até já cheguiei ao cúmulo de pensar sugerir, numa ocasião em que éramos 3, jogarmos twilight struggle, mas com uma das facções a ser dirigida conjuntamente pelos outros dois infelizes. O jogo é mesmo assim bom, brutal, bombástico! Não é por acaso que, apesar de ser caro como o caraças, ter componentes da trampa, para não dizer "de merda" e ferir susceptibilidades (e reparem como eu omiti isso até agora, não propositadamente, mas porque simplesmente isso não é importante), ser exclusivamente para 2 jogadores, demorar 3 horas e ter dados, está em 4º lugar no BGG! 4º lugar! Imagino o trabalhão de investigação, imaginação e génio que aquelas duas criaturas abençoadas não tiveram, para criar esta maravilha! Estar-lhes-ei eternamente grato!

Jovem, se tens mais de 18 anos e desejo de aventura, vai para a força aérea! Mas se gostas de jogar e/ou tens o mínimo interesse na guerra fria, joga twilight struggle!

Não sei mais o que dizer, por isso vou calar-me.

20 setembro 2007

Crítica: Notre Dame

Diz quem está no meio, que a notícia de que Portugal já tem um prémio para melhor jogo do ano causou algum rebuliço na indústria. Primeiro porque alguns editores e também designers, ao lerem a novidade nos sites de referência internacionais, pensaram que o prémio era oficial e que tivera sido entregue pelas mãos do próprio Presidente da República Portuguesa, Aníbal Silva. Depois porque, dada a beleza inequívoca do mesmo (o prémio, não o presidente), começou desde logo a existir por parte dos designers uma vontade enorme de o vencer, forçando os editores a atrasarem as edições para que os jogos possam ser desenvolvidos condignamente afim de se transformarem em sérios candidatos ao troféu.
Face a isto é natural que as atenções estejam todas viradas para este país à beira-mar plantado.
O vencedor deste ano foi Mac Gerdts com o seu memorável Imperial e, mal o prémio foi entregue, começou a ser possível vislumbrar, aqui e ali, os primeiros movimentos no que toca ao vencedor do ano que vem. A expectativa é tão grande neste momento que, uma conhecida casa de apostas na Internet, está a aceitar desde o início do mês as fezadas dos jogadores quanto ao próximo premiado.
Quem parte, desde já, como grande favorito é a grande esperança aqui do burgo, Stefan Feld, que se tornou conhecido da noite para o dia com o sensacional jogo para dois jogadores, Roma, editado pela Queen em 2005.
Os olhos viraram-se então para este jovem alemão que, sentindo nos ombros a pressão de ser apontado por alguns como “The next big thing”, lançou para o mercado o fraquinho Rum & Pirates, colocando em jogo a qualidade da mítica colecção Big Box da Alea que, alias, anda desesperada à procura da excelência de outros tempos. Num âmbito estritamente afectivo, levou também ao desalento a sua querida esposa que foi obrigada a encostar o pobre marido à parede e fazê-lo optar entre o divórcio ou, em alternativa, desenhar de raiz uma obra-prima que fosse reconhecida mundialmente.
Stefan teve a opção que qualquer homem com tomates teria. Mandou a mulher dar uma volta, satisfez os seus desejos mais primários com prostitutas escolhidas por catálogo na Internet e meteu-se na pinga e na droga. Em menos de quatro meses transformou-se num homem feliz, fez um filho (embora a mãe tenha abortado) e conseguiu vender à Alea a sua obra-prima – Notre Dame. Como se ainda fosse pouco, Stefan arrisca-se seriamente a vencer o prémio de Portugal para o melhor jogo de 2007.
A ex-mulher, antevendo desde cedo a glória do marido, lançou entretanto no mercado a sua autobiografia que vem dar a conhecer crises de flatulência do designer, principalmente quando este convidava amigos e familiares para jogar Bonhanza.


Notre Dame recupera magistralmente um estilo de jogo que não tem tido, infelizmente, a atenção que merece por parte de designers e editores. Falo do “Cube Management”. Não deixa de ser algo estranho este afastamento dum estilo que, por si só, envolve muitas escolhas e potencia muitos caminhos para a vitória, condições que normalmente fazem um bom jogo. O mais irónico disto tudo é o facto do melhor jogo de todos os tempos, Puerto Rico, ser um cube management embora não o seja no sentido mais puro do termo.
Ora é essa pureza que Feld recupera neste segundo título consecutivo para a colecção Big Box da Alea. E o resultado, esse, não podia ser melhor.

O tabuleiro de Notre Dame está dividido em 8 regiões. Cada uma das delas, quando activada, permite ao jogador beneficiar do seu atributo especial. Para activar a região é tão somente necessário colocar um cubo nela. E os benefícios podem ser vários. Desde o recebimento de mais cubos, moedas ou pontos, passando pela precaução de pragas de ratos, até ao movimento da carruagem pelas escuras ruas de Notre Dame.
Em suma, e para que não haja duvidas de como as coisas funcionam, se o conviva precisar de dinheiro coloca um cubo na região do dinheiro, se quiser movimentar a carruagem coloca um cubo na região correspondente e se quiser, no entanto, combater a praga de ratos gasta um cubo nessa área. Nada difícil a mecânica e bastante funcional como se vê. O pormenor interessante nisto tudo é que, quanto mais cubos o jogador tiver numa região, maiores são os benefícios. Ou seja, e para que não subsistam enganos, sempre que se colocar na região, por exemplo, do dinheiro um cubo e se, nessa região já lá estiver outro em resultado duma jogada anterior, o feliz jogador receberá não uma moeda, mas sim duas. Mais tarde, se houver oportunidade, colocar o 3º cubo, então o delírio é total e o felizardo arrecadará não uma, não duas, mas sim três moedas. Este é um desfecho bastante feliz para o jogador. Para que se tenha uma ideia da felicidade, receber duma assentada 3 moedas neste jogo equivale mais ou menos ao cheque de rescisão do Mourinho. Mas não pensem que esta comparação é apenas para queimar texto ou para ser uma tentativa infeliz de fazer humor. Não, a comparação existe para que se saiba desde já que o dinheiro é um bem muito raro e dá muito trabalho tê-lo mas em compensação traz muita felicidade. O mesmo se passa com os cubos que se usam para accionar as regiões.
O jogador terá de fazer a gestão inteligente dos cubos que vai tendo em mão. Mas como está bom de ver, haverá alturas que o jogador não vai ter cubos para colocar nas regiões. Esta é uma situação de jogo que vai acontecer mais cedo do que se espera. Neste caso é permitido movimentar cubos duma região para a outra, forçando o jogador a destapar dum lado para tapar do outro. Aqui quantos mais cubos estiverem em cima da mesa melhor, porque permitem benefícios maiores.
Tudo muito difícil e sofrido. Todos os bens são escassos, excepto as dúvidas do jogador que serão sempre muitas ao longo da hora que dura cada partida.


Dois aspectos engraçados que Notre Dame traz são as pragas de ratos e também o movimento das carruagens. Quanto movimento das carruagens não há nada de novo. As regiões do mapa têm entre elas caminhos que se ligam a tiles. Cada jogador tem a sua carruagem e estes vão lutar pelo açambarcamento das tiles. As tiles dão bónus bastante interessantes, proporcionando pontos extras, cubos, dinheiro, etc. Com isto os jogadores vão entrar em disputa pelos bónus mais valiosos. Tal como nos outros aspectos do jogo, para que a carruagem ande, é necessário accionar a região. Os espaços que a carruagem pode andar pelo mapa depende dos cubos estacionados na região respectiva, funcionando da mesma forma do exemplo que dei com o dinheiro. Este é o elemento em que a interacção entre os jogadores é mais directa. E a luta geralmente é intensa..
O outro aspecto, que é o aspecto pelo qual o jogo vai ser lembrado durante décadas, é a praga dos ratos, que tem um efeito brutal no jogo dos jogadores. Existe entre os concorrentes um mau estar sempre que estes roedores aparecem, ou melhor, ameaçam aparecer. Cada adversário tem uma escala de ratos. Esta escala vai aumentando com o desenrolar da ronda. Sempre que no fim de cada turno o indicador passar a escala o jogador fica sem 2 pontos e sem um cubo duma região. Já que estou numa de comparações, ficar sem um cubo e 2 pontos é o mesmo que ficar sem a carteira numa viagem de metro em Barcelona. Claro que não é o fim do mundo, mas dá um grande transtorno. O pior neste cenário é que estas pragas são bastante frequentes e para as evitar o jogador terá de abdicar de colocar cubos em zonas mais apetecíveis (dinheiro, cubos, carruagem), para os gastar na prevenção. Os ratos são mesmo uma praga e desequilibram tudo.

Tudo isto é jogado através de cartas. Cada jogador tem um baralho de 9 que representam as 8 regiões do mapa, mais Notre Dame (não importa explicá-la). Em cada turno o jogador retira desse baralho 3 cartas aleatoriamente. Escolhe uma e passa as outras duas ao jogador da esquerda, recebendo da direita as cartas em falta. Das duas que recebe escolhe uma e passa-a à esquerda recebendo da direita a ultima carta. Depois joga-as accionando então as regiões. É uma interacção muito subtil entre os jogadores. Ainda para mais a carta Notre Dame que tem um valor alto, mas que o jogador muitas vezes está tão aflito que vai ter de abdicar dela. A escolha de cartas é tão cruel que o jogador cada vez que tem de optar parece que leva com um camião TIR em cima a 200 Km Hora. Agora imaginem esta sensação várias vezes durante 60 minutos.
Falta apenas só fazer uma pequena referência ao dinheiro. O dinheiro serve para comprar os favores de certas personagens que vão aparecendo durante o jogo. Estas dão benefícios que permitem equilibrar o jogo dum jogador que entretanto se vai desequilibrando pela troca de cartas e pelos %&## dos ratos. Por outro lado o dinheiro também serve para comprar pontos com a carta Notre Dame. Ganha no fim quem mais pontos tiver.


As minhas notas finais sobre este título só podem ser as melhores possíveis. Não me vou por aqui de joelhos a gritar para que o comprem, mas é um título que ajuda a completar as ludotecas dos jogadores que certamente estão carenciadas dum cube management como deve ser. Por outro lado é um jogo que dá um novo fôlego à colecção Big Box da Alea.
A arte do jogo e os seus componentes são muitos bons e o tabuleiro deve ser a coisa mais esquesita que já vi na minha mesa, mas em contrapartida é um dos mais bonitos.
O jogo, numa primeira análise, pode causar alguma estranheza, mas quem o experimente fica a pensar nele nos minutos seguintes ao fim duma partida. O jogo quase que obriga a ser repetido. As regras não são difíceis, mas aconselho vivamente que depois da primeira experiência voltem a lê-las porque existem pormenores que podem não ficar esclarecidos logo à primeira leitura.

Pontos Positivos:
Regresso das Alea à grande forma que todos esperávamos
Grafismo bastante bem inserido no espírito do tema
Inúmeras estratégias possíveis para chegar à vitória.
Curva de aprendizagem interessante
Cada jogo dura uma hora

Pontos Negativos :
Como o cube management não é um estilo muito popular, a primeira partida pode causar alguma estranheza
Não há espaço para o regabofe e a concentração aconselha-se

12 setembro 2007

Session Report: Formula Dé

Finalmente a reentré para mais uma época de fortes jogatanas e a estreia fez-se da melhor forma.
Tinha prometido a mim mesmo e a todos os que me quisessem ouvir, que só compraria um novo jogo quando tivesse jogado as minhas cópias de Formula Dé e Shogun. Estes títulos apodreciam na estante sem razão aparente e, portanto, era urgente jogá-los na minha mesa, com o meu vinho e com a minha gente. Essa mania de comprar jogos para acumular cartão acabou para os meus lados. Tal como um grande presidente dum clube de futebol, também eu terei de ter cuidado nas compras que efectuarei no futuro e terei sempre de estudar bem o tipo de jogo e que objectivo concreto este pretende preencher. Esta vai ser uma política a seguir para os próximos tempos, a não ser que a Euribor desça duma forma sustentada e permita novamente a compra alarve de títulos. Mas por enquanto, a ideia é comprar jogos para serem jogados muitas vezes. Por exemplo, não me vale de nada ter um Perikles na colecção se não o consigo jogar.
Face a todas as condicionantes normais que são reservadas à vida dum jogador se, por mero acaso do destino, algum jogador recente chegasse ao pé de mim e me pedisse um conselho sincero e cheio de sabedoria sobre o hobby, eu diria com ar sereno e natural que:
“Não te esqueças duma coisa, aconteça o que acontecer no mercado, e vão acontecer certamente muitas coisas, compra sempre jogos a pensar nos outros e nunca a pensar em ti.”
…e com estas palavras me afastava no horizonte numa marcha lenta e saudável enquanto o novato ficava estático a observar-me e a pensar seriamente nas palavras proferidas enquanto anuía com a cabeça.
Depois, lembraria-me da lei seca do Zorg e voltava-me de repente para trás, fazia novamente a custo a caminhada de regresso até ao novato e, quando chegasse perto dele, continuava humildemente:
“…e sempre que jogares joga com uma garrafa de bom vinho aberta.”


Acabei, pois, após retirar a aranha e as filhotas da caixa, por jogar um Formula Dé que lá teve, finalmente, a possibilidade de ser testado e jogado num ambiente descontraído. Paralelamente a esta estreia, também se estreou nas lides o grande Violão, a contratação mais sonante para a nova época que se avizinha. Violão é um grande amigo de infância e um adepto incondicional de Formula 1 e lembro-me bem das nossas conversas sobre o tema nos finais dos anos 80 e nas disputas heróicas entre o Prost (de quem eu era adepto) e o Piquet (de quem ele era ferrenho). Por isso em honra dele, nada mais natural que uma corrida para o apresentar convenientemente ao hobby.
E assim foi. E digo já que deve ter sido uma das melhores corridas que a história da Formula Dé conseguiu produzir. Até uma dúzia de jogadas do fim estavam 3 jogadores a lutar pela vitória e separados por um espaço. A luta até então imprópria para cardíacos, foi alterada a 2 curvas da linha de meta quando o meu carro não conseguiu acompanhar a velocidade dos outros 2 concorrentes e ficou para trás. Por isso a vitória final ficou confinada a 2 elementos (Violão e Luís) e o vencedor (Luís) ganhou por um espaço. Incrível, melhor era quase impossível.
O Paulo ainda conseguiu chegar ao pódio em virtude do meu carro perder muita velocidade na ponta final da corrida e a Sara ficou em último acabando mesmo por sair de pista num despiste que diria, foi dos mais violentos que vi até hoje.
Os segundos carros chegaram já todos partidos e acabei eu por levantar o troféu por equipas (4º e 5º lugares).
Toda a gente pareceu contente com o jogo e este fluiu bem, muito embora o tempo despendido fosse demasiado (3 horas para apenas 2 voltas). Claro que não é um título que se deseje jogar todas as semanas, mas sem dúvida que é um jogo que terá muitas oportunidades para ser jogado ao longo da minha vida. Nem que seja uma vez por ano. Confirma-se que é um jogo divertido, não muito apelativo aos instintos femininos (a Sara não morreu de amores) e que é perfeito para desintoxicar dos pesos pesados. É, também, muito natural que se volte a falar do mítico jogo Formula 1 para Zx Spectrum 48K.
Seja como for, a boa notícia é que cada vez mais, o grupo vai crescendo. E só de pensar que, há cerca dum ano, era quase impossível arranjar malta para jogar um Ticket to Ride… Agora começo a ter a necessidade de pensar em comprar jogos para 6 e 7. Sugestões?